terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O planejamento prévio do trabalho pedagógico

O planejamento prévio do trabalho pedagógico


Rosaura Soligo



A adequada escolha dos textos e das atividades de leitura e escrita



Defender a importância do trabalho pedagógico com a diversidade textual na alfabetização não significa considerar que os alunos possam realizar todo tipo de atividade com qualquer tipo de texto.8 É preciso ter critérios de seleção, considerando, por exemplo: a complexidade do texto, o nível de dificuldade da atividade em relação ao texto escolhido, a familiaridade dos alunos com o tipo de texto, a adequação do conteúdo à faixa etária e a adequação dos textos selecionados e da proposta de atividade às necessidades de aprendizagem dos alunos.

Os textos mais adequados para o trabalho pedagógico de alfabetização – isto é, aqueles que favorecem a reflexão dos alunos não-alfabetizados sobre as características e o funcionamento da escrita – são os que oferecem a eles situações possíveis de leitura e escrita.

Sem dúvida, essas situações serão difíceis para esses alunos, uma vez que ainda não estão alfabetizados, mas precisam representar um desafio possível: evidentemente, um indivíduo que não sabe ainda ler e escrever só pode ser solicitado a fazer isso se a tarefa proposta estiver – ainda que parcialmente – dentro de suas possibilidades, se ele achar que pode tentar e conseguir... Como se sabe, as atividades de leitura e escrita serão desafiadoras se forem ao mesmo tempo difíceis e possíveis.

Atividades de leitura: para isso são adequados os textos em que os alunos podem utilizar estratégias de leitura que não se restrinjam à decodificação – o fato de não estarem ainda alfabetizados significa justamente que ainda não sabem decodificar inteiramente a escrita. Essas estratégias (de seleção, antecipação, inferência e verificação) são utilizadas em situações em que eles têm informações parciais sobre o conteúdo do texto e podem utilizar tudo que sabem para descobrir o que está escrito. Por exemplo, sabem que se trata de uma lista de títulos de histórias lidas pelo professor para a classe, e devem encontrar onde está escrito cada título. Ou sabem que o texto é uma receita, e devem descobrir quais são os ingredientes. Ou que é uma história em quadrinhos com personagens conhecidos, e devem achar os nomes de alguns deles. Ou que são as instruções de um jogo que conhecem bem, e devem encontrar uma ou outra...

Para esse tipo de atividade, são adequados os seguintes textos: listas (de animais, frutas, cores, brinquedos, títulos, nomes etc), receitas, histórias em quadrinhos curtas, regras de jogos conhecidos, bilhetes curtos em que se tenha uma informação geral sobre o conteúdo...

Há também situações em que é possível realizar atividades de leitura sem estar alfabetizado, até mesmo quando não se conhece o valor sonoro convencional das letras, quando não se pode contar com a ajuda que esse conhecimento oferece nas atividades em que a proposta é “ler sem ainda saber ler”. É o caso de textos que os alunos sabem de cor (não a escrita deles, mas o conteúdo), em que a tarefa é descobrir o que está escrito em cada parte, tendo apenas a informação do que trata o texto (por exemplo: “Esta é a música Pirulito que bate-bate”), onde começa e onde termina. São os poemas, quadrinhas, parlendas, adivinhas, cantigas de roda, canções populares, diálogos canônicos de contos clássicos, desde que sejam conhecidos (como, por exemplo, “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?” ou “– Que olhos tão grandes você tem, vovó! / – São para te ver melhor! Que orelhas tão grandes você tem, vovó! / – São para te ouvir melhor!”, entre outros). A tarefa de ler esses textos obriga os alunos a ajustar o que sabem que está escrito com a escrita, pondo em uso tudo que sabem a respeito. A seu favor eles têm a disposição gráfica do texto em versos, o que permite que se orientem para descobrir “onde está escrito o quê”.

Em qualquer tipo de situação, o aluno deve pôr em uso todo o conhecimento que possui sobre a escrita e receber informações parciais sobre o conteúdo que tornem a atividade proposta um desafio compatível com suas possibilidades.

No caso da alfabetização de adultos, evidentemente os textos oferecidos para leitura devem ser pertinentes à faixa etária e aos interesses do grupo: músicas de seu repertório no lugar de cantigas de roda, provérbios e “frases de caminhão” no lugar de parlendas infantis, e assim por diante.

Atividades de escrita: se considerarmos que os alunos não-alfabetizados podem escrever de acordo com suas próprias hipóteses, isso significa que supostamente poderiam escrever qualquer tipo de texto, desde que não seja esperado que o façam convencionalmente. De qualquer forma, não é apropriado, por exemplo, solicitar a escrita de um texto longo que vá oferecer grandes dificuldades, sendo que não se obterá como resultado uma escrita convencional. São mais adequados trechos de histórias conhecidas, bilhetes, cartas curtas, regras de jogo, além dos demais textos indicados acima, para as atividades de leitura.

A prática pedagógica tem demonstrado que, quando se pretende trabalhar com a diversidade textual nas classes de alfabetização, nas situações em que se lê para os alunos praticamente todo gênero é adequado, desde que o conteúdo possa interessar, pois o professor atua como mediador entre eles e o texto. Mas se o texto se destinar à leitura pelos próprios alunos é preciso considerar suas reais possibilidades de realizar a tarefa, para que o desafio não seja muito difícil. Se a situação for de produção oral do texto, há que se considerar que, em princípio, os alunos não-alfabetizados podem produzir quaisquer gêneros, desde que tenham bastante familiaridade com eles, seja por meio da leitura feita pelo professor ou por outros leitores. E quando se trata de produzir textos por escrito, isto é, de escrever textos de próprio punho, as possibilidades se restringem, pois a tarefa requer a coordenação de vários procedimentos complexos relacionados tanto com o planejamento do que se pretende expressar quanto com a própria escrita.

É preciso, portanto, saber o que se pode propor aos alunos em cada caso: quando o professor lê para eles, quando eles próprios é que têm de ler, quando produzem os textos sem precisar escrever e quando precisam escrever eles próprios.

Além disso, é importante considerar que há uma série de variações que se pode fazer nas atividades de uso da língua que permitem contar com diferentes propostas a partir de situações muito parecidas, que se alteram apenas em um ou outro aspecto. Essas variações podem ser de:

• material (lápis, caneta...), instrumento (à mão, à máquina, no computador...) e suporte (em papel comum ou especial, na lousa, com letras móveis...);

• tipo de atividade: escutar, ler, escrever, recitar, ditar, copiar etc.;

• unidade lingüística (palavra, frase, texto);

• tipo (gênero) de texto;

• modalidade (oralmente ou por escrito);

• tipo de registro ou de instrumento utilizado (com ou sem gravador, com ou sem vídeo, ou por escrito);

• conteúdo temático (sobre o quê);

• estratégia didática (com ou sem preparação prévia, com ou sem ajuda do professor, com ou sem consulta...);

• duração (mais curta, mais longa...) e freqüência (pela primeira vez, freqüentemente...);

• tamanho e tipo de letra;

• circunstância, destino e objetivo (quem, onde, quando, de que modo, a quem, para que... etc.);

• tipo de agrupamento (individual, em dupla, em grupos maiores);

• com ou sem algum tipo de restrição explícita (sem erros, com pontuação, com letra bonita, com separação entre palavras etc.)”.10

“Uma atividade se transforma em outra se, por exemplo, de individual passa a ser em dupla ou realizada com toda a classe – e vice-versa. O mesmo ocorre se for feita com ajuda ou sem ajuda, com ou sem consulta, com ou sem rascunho, de uma só vez ou em duas ou mais vezes, no caderno ou em papel especial, para ser exposto num mural, com letras móveis, com cartões, na lousa, no computador ou escrito a lápis...

Quando se acredita que a alfabetização é um processo que se desenvolve a partir da análise e da reflexão que o aluno faz sobre a língua, não há muito o que ‘inventar’ em relação às situações de ensino e aprendizagem. As atividades específicas de reflexão sobre o sistema de escrita, como já se discutiu em vários momentos, devem basicamente se constituir em contextos de uso dos conhecimentos que os alunos possuem, de análise das regularidades da escrita, de comparação de suas hipóteses com a dos colegas e com a escrita convencional, de resposta a desafios, de resolução de problemas...”11



Escolha da forma de organização dos conteúdos



Além da seleção dos conteúdos a serem trabalhados e do tipo de atividade específica que será proposto, há ainda outra importante decisão pedagógica, relacionada ao tratamento dos conteúdos: a depender dos objetivos que se tem, eles podem ser trabalhados na forma de “atividades permanentes, atividades seqüenciadas, atividades de sistematização, atividades independentes ou projetos”.12

Atividades permanentes são as que acontecem ao longo de um determinado período de tempo, porque são importantes para o desenvolvimento de procedimentos, de hábitos ou de atitudes. É o caso de atividades como: leitura diária feita pelo professor; roda semanal de leitura; oficina de produção de textos; hora das notícias; discussão semanal dos conhecimentos adquiridos etc.

Atividades seqüenciadas são as planejadas em uma seqüência encadeada: o que vem a seguir depende do que já foi realizado (e aprendido) anteriormente. Por exemplo: atividades para alfabetizar, para ensinar a produzir textos de um determinado gênero, para ensinar ortografia ou o uso de certos recursos gramaticais etc.

As atividades de sistematização, embora não decorram de propósitos imediatos, têm relação direta com os objetivos didáticos e com os conteúdos: são atividades que se destinam à sistematização dos conteúdos já trabalhados.

As atividades independentes são aquelas que não foram planejadas a priori, mas que fazem sentido num dado momento. Por exemplo: “em algumas oportunidades, o professor encontra um texto que considera valioso e compartilha com os alunos, ainda que pertença a um gênero ou trate de um assunto que não se relaciona às atividades previstas para o período. E, em outras ocasiões, os próprios alunos propõem a leitura de um artigo de jornal, um poema, um conto que os tenha impressionado e que o professor também considera interessante ler para todos. Nesses casos, não teria sentido nem renunciar à leitura dos textos em questão, pelo fato de não ter relação com o que se está fazendo no momento, nem inventar uma relação inexistente”.

Os projetos são situações didáticas em que o professor e os alunos se comprometem com um propósito e com um produto final: em um projeto, as ações propostas ao longo do tempo têm relação entre si e fazem sentido em função do produto que se deseja alcançar. É o caso de atividades como jogral, dramatização, apresentação pública de leitura, produção de livro, de jornal, de texto informativo e outras similares”.

“Uma proposta pedagógica que privilegia o trabalho com projetos, se justifica por princípios que se expressam em necessidades de natureza didática: a compreensão do aluno enquanto sujeito da própria aprendizagem; a elaboração junto com os alunos de propostas a serem implementadas na classe; a construção de algumas certezas compartilhadas e a discussão de muitas incertezas (o que permite maior compreensão da natureza de um empreendimento coletivo e melhor relacionamento entre o grupo); a contextualização das propostas de ensino, considerando que a aquisição de conhecimento é sempre mediada pelo modo de aprender dos alunos e pelo modo de ensinar dos professores; a máxima aproximação entre “versão escolar” e “versão social” do conhecimento, o que requer o planejamento de situações escolares à semelhança das práticas sociais (com o cuidado de não produzir simplificações ou distorções nos conhecimentos a serem trabalhado); o fato de a ação educativa ter que responder ao mesmo tempo a objetivos de ensino e objetivos de realização do aluno – nem sempre coincidentes”.

Entretanto, a defesa dos projetos como modalidade privilegiada de organização dos conteúdos escolares não significa que tudo possa ser abordado por meio de projetos. É tarefa do professor identificar qual a melhor forma de abordar o que deve ensinar aos alunos: há conteúdos que não demandam um tratamento por meio de projetos, há conteúdos que não têm uma contextualização possível, há conteúdos que precisam ser sistematizados, e outros não, há conteúdos que são recorrentes em toda a escolaridade, e outros circunstanciais... O fundamental é saber que os conteúdos escolares são ensinados para que os alunos desenvolvam diferentes capacidades (ou seja, estão a serviço dos objetivos do ensino): a forma de abordá-los deve ser aquela que melhor atende ao propósito de desenvolver essas capacidades.

A difusão e a defesa de propostas de ensino apoiadas em projetos de trabalho acabaram por criar no Brasil, nos últimos anos, uma concepção equivocada de que todas as situações de ensino e aprendizagem que têm lugar na sala de aula deveriam ser relacionadas, de alguma forma, com projetos em curso na série. Freqüentemente, observamos formadores e professores demonstrando grande preocupação com questões do seguinte tipo: “Em que projetos essas atividades estariam contextualizadas?”, “Essas atividades não seriam ‘soltas’ demais?”, e assim por diante. Ou seja, a preocupação metodológica de contextualizar as propostas de ensino e aprendizagem em projetos assumiu uma importância maior do que o atendimento dos objetivos que expressam as capacidades que se pretende que os alunos desenvolvam. Por exemplo: se o objetivo é que os alunos escrevam de forma adequada sob todos os aspectos, depois que estiverem alfabetizados será necessário ensinar conteúdos ortográficos (como a tematização de regras que permitam compreender as razões do uso de mp, mb, rr, r, ss, s etc.). Se as atividades propostas nos projetos de escrita, que demandam revisão dos textos produzidos pelos alunos, não forem suficientes para garantir progressivamente a compreensão dessas normas ortográficas, será necessário realizar atividades de sistematização que por certo não estarão vinculadas a um projeto específico.



Da mesma forma, algumas atividades de reflexão sobre a escrita para aprender a ler e escrever não têm lugar em projeto algum: são necessárias porque atendem a determinados objetivos em relação à alfabetização dos alunos. Não há problema pedagógico algum no fato de serem eventualmente “descontextualizadas” dos projetos da série. É o caso das atividades permanentes de leitura e escrita que devem estar garantidas na rotina diária do professor: quando os alunos ainda não estão alfabetizados – e acreditamos que é por meio de atividades de reflexão sobre a escrita que eles vão avançar em seus conhecimentos, e sabemos que a reflexão é um procedimento que para ser aprendido precisa ser exercitado com freqüência – garantiremos atividades de alfabetização pautadas na reflexão sobre a escrita todos os dias, independente de estarem ou não contextualizadas em um ou outro projeto da série.

A lógica curricular que nos parece mais adequada é a seguinte: objetivos definem conteúdos e estes definem o tratamento metodológico que será dado aos conteúdos, para garantir da melhor forma possível a conquista dos objetivos. Não faz sentido que a opção metodológica seja anterior à definição dos objetivos (as capacidades que se pretende desenvolver) e dos conteúdos (o que ensinar para tanto).



Planejamento de uma rotina de trabalho pedagógico



A rotina do trabalho pedagógico concretiza, na sala de aula, as intenções educativas que se revelam na forma como são organizados o tempo, o espaço, os materiais, as propostas e intervenções do professor. Por essa razão, a rotina que estabelecemos para a classe é também uma situação de ensino e aprendizagem, a despeito de não ser necessariamente planejada como tal.

Se, por exemplo, a leitura é realizada apenas uma vez ou outra, na semana de trabalho, e a escrita é uma atividade freqüente, o que estamos ensinando para os alunos – involuntariamente – é que a escrita é mais importante do que a leitura. Se o trabalho com as áreas de História, Geografia e Ciências ocorre apenas nas semanas que antecedem a avaliação bimestral, estamos ensinando é que os conteúdos dessas áreas servem apenas para estudar às vésperas da prova. Se todos os dias há atividades de ditado e cópia, estamos ensinando que é por meio do ditado e da cópia que se aprende a escrever. E assim por diante... Nossas concepções inevitavelmente se expressam na priorização das atividades propostas na sala de aula, na forma como agimos durante as atividades e no uso que fazemos do tempo.

Para organizar uma rotina semanal do trabalho pedagógico, é fundamental definir previamente: todas as áreas a serem trabalhadas, a freqüência com que serão trabalhadas (por exemplo: Língua Portuguesa todos os dias, com duração de 90 minutos etc.); a melhor forma de tratar didaticamente os conteúdos (projetos, atividades permanentes, atividades seqüenciadas...); os textos e os tipos de atividade a serem propostos durante a semana (tanto na sala de aula como em casa), e a respectiva freqüência.

Só então será possível distribuir tudo isso no tempo disponível durante uma semana de trabalho, estabelecendo as devidas prioridades. A forma de organizar a rotina semanal que tem se mostrado mais prática é por meio de uma tabela de dupla entrada com espaço para indicar todas as propostas planejadas para cada dia da semana.



Organização da classe em função dos objetivos da atividade e das possibilidades de aprendizagem dos alunos



“Como bem sabemos, a diversidade é inevitável na sala de aula: teremos sempre alunos com níveis de compreensão e conhecimento diferentes e, por isso, é preciso conhecer, analisar e acompanhar o que eles produzem, para adequar as propostas, considerando os ritmos e as possibilidades de aprendizagem, cuidando para que ‘a música não vibre alto demais’, ou que sequer seja ouvida por eles” (M1U5T4). Nesse sentido, o desafio é conhecer o que eles pensam e sabem sobre o que se pretende ensinar (o que indica suas reais possibilidades de realizar as tarefas), para poder lançar problemas adequados às suas necessidades de aprendizagem.

Considerando que, inevitavelmente, as classes são sempre heterogêneas, há três tipos de organização do trabalho pedagógico, para situações de atividade tanto individual como em parceria: momentos em que todos os alunos realizam a mesma proposta; momentos em que, diante de uma mesma proposta ou material, realizam tarefas diferentes; e momentos de propostas diversificadas, em que os grupos têm tarefas diferentes em função do que estão precisando no momento.

A opção por organizar ou não os alunos em duplas, grupos de três ou de quatro, em um único grupo que reúne toda a classe, ou individualmente, depende especialmente dos objetivos da proposta e do grau de familiaridade dos alunos com ela. Se o tipo de proposta não é familiar, possivelmente será preciso que o professor realize uma (ou mais vezes) a atividade com todo o grupo de alunos, dando as necessárias explicações e ensinando os procedimentos. Depois, quando a proposta for de que os alunos realizem a tarefa por si mesmos, em grupo ou individualmente, será preciso que o professor funcione como parceiro experiente, dando grande assistência a todos (porque estão aprendendo a trabalhar com uma proposta nova). E, por fim, depois que se apropriaram do tipo de proposta e dos respectivos procedimentos, os alunos certamente precisarão de menos auxílio do professor.

Vejamos um exemplo: se é a primeira vez que propomos uma atividade de leitura aos alunos não-alfabetizados, provavelmente eles vão dizer que não sabem, ou não podem fazer, porque não sabem ler. Será necessário, então, que façamos na lousa com eles, problematizando alguns aspectos que lhes permitam usar seus conhecimentos e se conscientizar de que conseguiram “ler sem saber ler”, mostrando que se trata de um desafio possível, sugerindo possibilidades, oferecendo algumas pistas e coisa que o valha.

Se, por um lado, esse tipo de situação requer o grupo todo atento à intervenção do professor, as situações de avaliação da competência pessoal dos alunos exigem atividades individuais. Em caso contrário, como o professor poderá identificar o que cada um de seus alunos sabe, se estavam trabalhando com outros colegas?

No caso das atividades cotidianas, entretanto, a prática tem mostrado que o trabalho em colaboração é muito mais produtivo para a aprendizagem dos alunos: especialmente as duplas (mas também os trios e grupos de quatro) têm se revelado uma boa opção, se os critérios de agrupamento forem adequados. Esse tipo de agrupamento favorece que os alunos socializem seus conhecimentos, permitindo-lhes confrontar e compartilhar suas hipóteses, trocar informações, aprender diferentes procedimentos, defrontar-se com problemas sobre os quais não haviam pensado... Entretanto, como sabemos, o fato de estarem sentados juntos não garantirá que trabalhem coletivamente. É preciso criar mecanismos que os ajudem a aprender esse importante procedimento, que é o trabalho em colaboração de fato: por exemplo, em algumas situações, pode-se oferecer uma única folha para a realização da tarefa; em outras, definir claramente qual o papel de cada aluno na dupla ou no grupo, e assim por diante. Em qualquer caso, até aprenderem a trabalhar juntos, terão de contar com muita ajuda do professor.

Quando a opção for por trabalho em parceria, para organizar os agrupamentos é preciso considerar os objetivos da atividade proposta, o conhecimento que os alunos possuem e a natureza da atividade. “As interações, os agrupamentos, devem ser pensados tanto do ponto de vista do que se pode aprender durante a atividade como do ponto de vista das questões que cada aluno pode ‘levar’ para pensar. Um outro fator importante a considerar, além do conhecimento que os alunos possuem, são suas características pessoais: seus traços de personalidade, por um lado, e a disposição de realizar atividades em parceria com um determinado colega, por outro. Às vezes, a tomar pelo nível de conhecimento, a dupla poderia ser perfeita, mas o estilo pessoal de cada um dos alunos indica que é melhor não juntá-los, pois o trabalho tenderia a ser improdutivo.” (M1U5T4)



Definição do tipo de ajuda pedagógica que será oferecida aos alunos e dos grupos específicos que serão acompanhados mais de perto



Além de contribuir com a aprendizagem ao selecionar conteúdos pertinentes, planejar atividades adequadas e formar agrupamentos produtivos, o professor também tem um papel fundamental durante a realização da atividade – ao circular pela classe e colocar perguntas que ajudam os alunos a pensar, problematizar as respostas dadas por eles, pedir que um ou outro leia algo aos demais, apresentar informações úteis e, sempre que for apropriado, socializar as respostas, questionar e discutir como foram encontradas. Para funcionar assim, como um parceiro que ajuda a aprender, precisa estar atento aos procedimentos utilizados pelos alunos para realizar as tarefas propostas e aos conhecimentos que revelam enquanto trabalham.

O professor sabe que é impossível acompanhar de perto todos os alunos a cada dia: é preciso distribuir esse tipo de acompanhamento ao longo das semanas. Tendo isso em conta, será muito útil para ele a manutenção de um instrumento de registro no qual coloque a data, o nome dos alunos que foram observados mais criteriosamente naquele dia, o tipo de questões colocadas/reveladas por eles etc. Ou seja, uma espécie de “mapa”, que facilita a documentação das informações em relação à aprendizagem e ao desempenho dos alunos, além de permitir o planejamento da intervenção junto a todos.

“Sabemos que o professor é um informante privilegiado na sala de aula, mas não é o único: se as atividades e os agrupamentos forem bem planejados, os alunos também aprenderão muito uns com os outros, mesmo que o professor não consiga intervir diariamente com cada um. Por outro lado, vale lembrar que a possibilidade de circular pela classe fazendo intervenções é facilitada pelo trabalho em grupo – quando se tem uma classe numerosa, com todos trabalhando individualmente, é muito mais difícil intervir com cada um e, ao mesmo tempo, ‘controlar’ a classe. Se o professor tem, por exemplo, 36 alunos divididos em 18 duplas que já sabem trabalhar em parceria, será preciso ‘controlar’ 18 agrupamentos que tendem a funcionar bem, e não 36 alunos que o tempo todo requisitam apenas o professor. De mais a mais, com 18 duplas, é perfeitamente possível intervir com todas a cada uma ou duas semanas, no máximo – o que significa acompanhar mais de perto cerca de três agrupamentos por dia.” (M1U7T3)

Mas às vezes se faz necessário, além disso, montar um esquema de apoio pedagógico mais sistemático e intensivo com os alunos cujo desempenho está se distanciando da média da classe. É o que chamamos de “apoio pedagógico”.

Em qualquer experiência educativa, os alunos se desenvolvem de forma e em ritmos distintos entre si. A função principal da avaliação é justamente identificar as ajudas específicas que cada um necessita ao longo de seu processo de aprendizagem. Há aqueles que, dependendo da dificuldade que apresentam e/ou da natureza do conteúdo ensinado, precisam apenas de uma explicação dada de outra forma, ou de um pouco mais de empenho, ou de maior exercitação em atividades suplementares. Mas há alunos que requerem uma intervenção pedagógica complementar – seja pelo tipo de dificuldade apresentada, pela natureza do conteúdo, ou pelas duas razões.

De modo geral, a resposta encontrada para essa questão nas escolas públicas é a recuperação final (do semestre ou do ano letivo) ou, no caso de muitas escolas privadas, a solicitação de acompanhamento por um professor particular. Entretanto, é papel da própria escola oferecer acompanhamento permanente aos alunos com desempenho insatisfatório, pois a recuperação final não garante uma intervenção pedagógica mais específica ao longo do processo de ensino e aprendizagem.

Nesse sentido, há duas propostas que consideramos mais adequadas: o apoio pedagógico permanente na sala de aula (que muitos educadores chamam de “recuperação paralela”) e o grupo de apoio pedagógico extra-classe. Nos dois casos, o trabalho só faz sentido se for planejado em função das dificuldades apresentadas pelos alunos.

O apoio pedagógico permanente é dado dentro do horário escolar, em algumas aulas semanais (geralmente de abril a novembro), sempre que possível pelo professor titular da classe em parceria com outro colega. O professor também pode fazer isso sozinho – vai dar um pouco mais de trabalho, mas não é algo muito difícil.

O grupo de apoio pedagógico extra-classe pode acontecer mais ou menos na mesma época, fora do período de aulas, direcionado para os alunos em relação aos quais o professor identificar a necessidade de acompanhamento mais sistemático, além do realizado na própria classe, durante as aulas. O grupo deve ser formado por poucos alunos e ter a proposta de trabalho especialmente planejada pelo professor da classe, ou por quem for coordenar o grupo (se não for o próprio professor), e pelo profissional responsável pela coordenação pedagógica da escola. A periodicidade, a carga horária e os conteúdos a serem trabalhados se definem em função das demandas.

Esse tipo de trabalho tem se mostrado fundamental por várias razões, das quais destacamos duas:

• Representa uma possibilidade privilegiada do professor investigar as causas das dificuldades dos alunos, pelo fato de atender a um grupo reduzido, o que favorece o planejamento de intervenções didáticas que incidam nas causas (e não nos efeitos) dos problemas apresentados.

• Configura um espaço de investigação psicopedagógica: além de seu valor em si mesmo, o trabalho de apoio pedagógico funciona como uma espécie de “laboratório”, cujo resultado pode contribuir para a aprendizagem de todos os alunos. Se o professor levar à discussão com seus pares e com a coordenação pedagógica o que observar, investigar e concluir a respeito dos motivos de certas dificuldades, isso favorecerá o planejamento de intervenções adequadas que, por sua vez, poderão ser adotadas em classe, com os demais alunos.

No entanto, esse tipo de trabalho requer um contrato didático muito claro, para que os alunos (e mesmo os pais) entendam com clareza seus reais objetivos: assim será possível evitar que se considere que é uma proposta para “reforçar alunos fracos”, como acontece em algumas escolas.



Antecipação das eventuais dificuldades dos alunos decorrentes do grau de familiaridade com a proposta

O conhecimento do conceito de contrato didático e a possibilidade de analisar as questões implicadas na relação professor-aluno-conhecimento são condições que nos permitem antecipar dificuldades e, conseqüentemente, planejar intervenções pedagógicas adequadas.

A familiaridade com a proposta de atividade é um aspecto sobre o qual precisamos refletir com muita seriedade. Vejamos por quê.

Tudo que propomos aos alunos pela primeira vez, ou apenas esporadicamente, pode “não dar certo”. Se não tivermos essa clareza, jamais introduziremos inovações na prática pedagógica; o “novo” requer um tempo de adaptação (que nem sempre ocorre de forma tranqüila e harmoniosa), além de persistência, paciência e firmeza de nossa parte para fazer os alunos se familiarizarem com o que está sendo proposto, em uma renegociação do contrato didático até então existente.

Quando sempre se trabalhou com os alunos separados, em carteiras individuais, e se pretende desenvolver atividades com agrupamentos, certamente eles precisarão algumas semanas para se habituar à nova forma de organização da classe. Quando nunca se propôs que os alunos escrevam textos (principalmente se ainda não estão alfabetizados), e isso passa a acontecer na sala de aula, eles provavelmente vão ter dificuldade para se adaptar à “novidade”.

Quando muitos alunos da classe estão acostumados a fazer ditado e cópia diariamente, tenderão a reivindicar que essas atividades sejam realizadas com freqüência e resistirão às propostas em que precisem pensar muito, explicitar os procedimentos utilizados, ouvir os colegas e levar em conta seus pontos de vista para realizar uma tarefa comum. E assim por diante.

Por serem humanos, tanto os professores quanto os alunos tendem a resistir ou desconfiar do novo, em um primeiro momento... O habitual é mais confortável que o desconhecido, e a familiaridade é uma relação construída em um processo muitas vezes demorado. Essa visão de processo pode nos ajudar a compreender por que as coisas nem sempre saem conforme o planejado, e a saber como proceder para introduzir propostas com as quais os alunos não estão familiarizados.



A definição da consigna



Temos chamado de consigna à forma de fazer uma determinada proposta aos alunos.

Alguns educadores preferem chamar esse tipo de enunciado de “comanda”, ou mesmo de enunciado. O nome, na verdade, não importa: trata-se de uma instrução geralmente acompanhada de algumas orientações relacionadas à execução de uma dada tarefa, feita oralmente, por escrito, ou das duas formas.

Muitas vezes, o resultado inadequado de uma proposta é fruto de uma consigna malfeita ou confusa, principalmente quando os alunos não têm muita familiaridade com o que está sendo solicitado.

Vejamos como exemplo uma consigna feita oralmente:



“Vocês devem reescrever, em duplas, a história ‘Os três porquinhos’, um ajudando o outro, procurando fazer tudo da melhor maneira possível.”



Uma orientação aparentemente clara e precisa como essa pode ter um resultado totalmente inesperado. A idéia de um ajudar o outro e fazer tudo da melhor maneira possível pode ser entendida como “para ficar um bom trabalho, quem sabe mais deve ajudar quem sabe menos” – e, se for assim, o aluno considerado menos sabido pode ficar com uma participação totalmente passiva durante a atividade.

Muitas das provas externas aplicadas nas salas de aula desconsideram essa variável: não basta os alunos terem familiaridade com as propostas em si; é preciso que também conheçam o tipo de enunciado que explica o que é para ser feito. Quando temos consciência das variáveis que interferem nos resultados das propostas apresentadas aos alunos, fica mais fácil compreender o que pode estar por trás desses resultados.

A certeza de que aquele que ouve ou lê pode não compreender exatamente o que foi dito, oralmente ou por escrito, deve ter como conseqüência uma atenção maior de nossa parte, bem como a consciência de que podemos ser mal interpretados mesmo que julguemos dar uma orientação totalmente clara – afinal, a compreensão da consigna é a compreensão não só do que deve ser feito, mas também de algumas intenções implícitas do professor... Circular pela classe, observando como os alunos realizam as tarefas propostas é uma forma de verificar se as orientações foram bem compreendidas e, quando não, corrigir a falha em tempo.





PLANEJAMENTO ANUAL PLANEJAMENTO PERIÓDICO PLANEJAMENTO DA ROTINA

(geralmente semanal ou quinzenal) PLANEJAMENTO DIÁRIO

OBJETIVOS Capacidades que se pretende que os alunos desenvolvam – os porquês dos conteúdos do ensino propostos para o ano Capacidades que se pretende que os alunos desenvolvam indicadas por bimestres, trimestres ou semestres Nesse caso, nem sempre são indicados os objetivos, pois o que mais importa é definir em detalhes o que vai ser ensinado Nem sempre são indicados os objetivos e conteúdos, pois o que mais importa é detalhar as propostas de atividade

CONTEÚDOS O que vai ensinar, em linhas gerais, para que as capacidades indicadas como objetivos possam se desenvolver O que se vai ensinar desdobrado em períodos menores Conteúdos que serão trabalhados durante a quinzena ou semana

TRATAMENTO DIDÁTICO DOS CONTEÚDOS Modalidades privilegiadas para organizar o que vai ser ensinado – atividades permanentes, atividades sequenciadas, atividades de sistematização e projetos Modalidades privilegiadas para organizar o que vai ser ensinado nos diferentes períodos do ano e indicação de alguns tipos de atividade que favorecem a abordagem dos conteúdos Atividades mais adequadas para trabalhar com os conteúdos Detalhamento das atividades, das intervenções, dos agrupamentos e de outros aspectos que se mostrem necessários, caso isso não tenha ainda sido feito no momento da organização da rotina semanal

 Necessidade de pensar em objetivos que sejam flexíveis, e não fixos, rígidos, ‘congelados’ para uma faixa etária.

 Caráter provisório e flexível do planejamento – planeja-se muito bem para ‘enquadrar a realidade’ no planejamento, mas para poder ter o maior controle possível do que ocorre quando se está com as crianças e para fazer a gestão do trabalho com a maior qualidade possível. É claro que o inusitado está sempre presente no trabalho pedagógico e que temos dos objetivos que torna possível reorientar nossas atividades em função das necessidades de aprendizagem que as crianças vão apresentando no processo.

 Um plano pode ser burocrático se sua finalidade for apenas atender a uma exigência de registro, de documentação. Para ser de fato funcional, útil, otimizador do trabalho tem que ajudar o professor a antecipar suas ações, pensar nas diferentes e possíveis respostas à sua proposta.

 Planejamento do trabalho de cada dia: para entrar em sala, é preciso pensar na organização do espaço, no tempo de cada atividade planejada, nos materiais necessários, na quantidade adequada de material para todos trabalharem com certo conforto e autonomia, que tipo de agrupamentos se vai propor, etc.

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